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Fechem as bibliotecas!

Numa reviravolta jamais antecipada pela impressa, Terry Deary, o autor dos livros História Horrível, falou contra as bibliotecas na sua última entrevista ao The Guardian, dizendo que as mesmas estão a prejudicar a industria editorial e os autores.

Terry Deary, autor britânico de mais de 200 livros que venderam mais de 25 milhões de cópias em pelo menos 40 línguas, manifestou-se este mês contra as bibliotecas numa entrevista que deu ao The Guardian
Deary explica que o conceito das bibliotecas está desactualizado e a prejudicar a industrial editorial e autores. Como nos últimos 150 anos [a lei que aprovou a criação de bibliotecas no Reino Unido foi instaurada em 1850] as pessoas puderam ler livros gratuitamente, o autor acredita que as pessoas tomam esta situação como um direito adquirido, o que acaba por prejudicar editoras e autores que, obviamente, não criam os livros de forma gratuita, assim como os contribuintes que com os seus impostos ajudam a pagar as bibliotecas.
Recordando ainda que já não estamos na época Vitoriana, Deary afirma que já não temos o dever de levar a literatura às camadas mais pobres da sociedade, pois pagamos às escolas para o fazerem (creio que de deve referir aos livros de leitura obrigatória).
As pessoas tem de escolher comprar livros [afirma Deary] as pessoas comprarão alegremente um bilhete de cinema para ver o filme Matilda mas esperarão ler o livro de Roald Dahl de graça. Não faz sentido. Os livros não são propriedade pública, e os escritores não são a Enid Blyton, mulheres de classe média que tem o pequeno hobbie de escrever. Temos de ganhar a vida. Autores, livrarias e editores precisam de comer, ninguém espera que nos desloquemos a uma cantina onde nos darão comida de graça. [...] As bibliotecas não fazem nada pela indústria dos livros. Elas dão e não esperam nada de volta, enquanto as livrarias estão a vender os livros, o que acaba por pagar às editoras e aos autores, o que é o correcto. Que outros tipos de entretenimento esperamos receber gratuitamente?
O autor continua o seu discurso e podem ler a sua entrevista completa clicando aqui, mas creio que dá para se ter uma boa ideia do que ele quer dizer, visto que se repete com exemplos diferentes. Mas o que nos quer Deary dizer exactamente com esta cruzada contra as bibliotecas?
Confesso que fiquei abismada com esta entrevista, Deary é um dos mais famosos autores de livros infanto-juvenis graças à sua série História Horrível, publicada em Portugal pela Europa-América, e sem dúvida um dos que mais vende graças a esta mesma colecção. Os seus livros são divertidos e instrutivos o que é bom tanto para as crianças como para os pais que querem incentivar a leitura mas ao dispensar as bibliotecas, Deary está a colocar os seus livros fora do alcance de muitos leitores. (Eu costumo ler os livros dele requisitando-os da biblioteca de Lisboa!)
Concordo que já não estamos na época vitoriana, desculpem fãs do Steampunk mas temos de nos render às evidências, mas o que tem isso a ver com o acesso gratuito aos livros? O que de bom virá em fechar as bibliotecas e tornar os livros artigos de luxo? Porque não é isso no fundo o que fechar as bibliotecas implica, principalmente face ao preço a que os livros estão hoje em dia e à nossa conjuntura económica?
A minha mãe, leitora assídua, tem cinco filhos, todos leitores e cada um com um género de leitura favorito diferente. Segundo o senhor Deary ela não nos devia levar à biblioteca, deveria comprar todos os livros que nós lêssemos para "ajudar os escritores a comer". E atenção que contra mim falo, na opinião de Deary, porque sou escritora também. Mas a pergunta que faço é a seguinte, como era suposto a minha mãe dar-nos a todos de ler?
Claro que não lemos todos à mesma velocidade, nem lemos todos tanto, o meu irmão deve ler uns dois livros por ano, a minha irmã mais nova uns cinco por mês nas férias (ou mais, ainda o mês passado leu a saga The Iron Fae toda de uma assentada), eu uns dez livros por mês durante todo o ano.
Vamos fazer contas? São pelo menos 120 livros meus, mais 2 do meu irmão, mais 5 da minha irmã que lê romances históricos, mais 20 da minha irmã que só lê fantasia, mais 50 da minha irmã mais nova, isto dá um brilhante total de 197 livros ano (acrescentemos uns 3 para fazer número certo e porque a minha mãe também lê e compra os livros dela também). Duzentos livros por ano, vezes dezassete euros o livro (uma média, visto termos livros a mais de vinte euros e uns abaixo de quinze euros, mais aqueles que apanhamos nas promoções) dá um fantástico total de três mil e quatrocentos euros.
Alguém deveria explicar ao Sr. Deary que numa família de classe média, três mil e quatrocentos euros é um exagero para se gastar em livros por ano e que é por isso que existem as bibliotecas. Obviamente que em minha casa se compram livros, na realidade eu compro muito mais do que o que requisito mensalmente da biblioteca mas a biblioteca permite-me descobrir novos autores e ter acesso a clássicos que já não são publicados em Portugal.
A biblioteca permitiu-me, quando fiquei desempregada, poder continuar a ler e a viajar com a minha imaginação em vez de ficar deprimida a ver televisão o dia todo. A biblioteca deu-me o meu primeiro herói da adolescência, Júlio Verne e os seus fantásticos livros nos quais fui à lua e ao fundo do mar. A biblioteca, e sejamos sinceros maior parte das bibliotecas compra os livros, é no fundo também uma cliente da indústria editorial, só que depois é amiga e empresta sem exigir nada em volta (tal como os nossos amigos nos emprestam livros, pergunto-me se não serão eles a causa desta "crise editorial"?).
Num mundo onde em média cada pessoa lerá cinco livros por ano (dizem eles), não são com certeza as bibliotecas que estão a falir os autores, na realidade muitos autores são a favor de bibliotecas e alguns chegam mesmo a doar livros seus para as mesmas. Afinal as bibliotecas realizam um serviço público indispensável que é o acesso à cultura. (E qual é o escritor que não quer que os seus livros se leiam? Não é para isso que escrevemos? Para sermos lidos?)
Claro que poderemos discutir que o cinema também é cultura e que se pagam bilhetes para ir ao cinema, e contra isso não há melhor facto do que a realidade que é o aumento dos downloads ilegais de filmes. Podemos falar também, como o autor fala na sua entrevista, que ninguém requisita gratuitamente Porches ou relógios de marca, mas há um motivo pelo qual esses artigos são artigos de luxo, porque são perfeitamente dispensáveis enquanto a leitura não o é.
Na realidade podemos ficar aqui eternamente a discutir o porquê das bibliotecas serem importantes ou não, podemos mesmo discutir se Deary tem ou não razão no que está a dizer mas parece-me a mim que as bibliotecas estão para ficar e que devem ficar. Querem partilhar as vossas opiniões, Encruzilhados?

Para lerem mais opiniões sobre esta entrevista de Terry Deary, podem seguir para o BookRiot onde uma blogger respondeu à entrevista de Terry Deary apenas com gifs da Scarlett, pessoalmente achei divertido. A escritora Julia Donaldson, a terceira autora mais requisitada das bibliotecas em Inglaterra o ano passado, respondeu à entrevista de Deary também no The Guardian, dizendo que não conhecia nenhum livreiro que se queixasse que as bibliotecas lhe roubavam clientes, podem ver a sua entrevista aqui.




Ki
(Catarina)
Sobre a autora:

Bibliófila assumida e escritora de domingo. Gosta de livros e tudo o que esteja relacionado com eles, tem a mania que tem opiniões sobre livros e gosta de as expor no seu blog conjunto Encruzilhadas Literárias, tem também uma conta no GoodReads e diz que é das melhores coisas que já lhe aconteceu.

Comentários

  1. É completamente assutador o que se está a passar no Reino Unido, e ver um escritor com uma mentalidade tão capitalista também me assusta deveras.

    Eu também escrevo, e, quando vier a publicar um livro, gostaria de o ver nas bibliotecas.

    O problema, para mim, quanto aos autores, está no facto de se convidar os autores para isto e para aquilo e não lhes pagar. É assim que os músicos ganham dinheiro, e não com os discos.

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