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Opinião: Doce Tortura, de Rebecca James


 Doce Tortura
de Rebecca James

Edição/reimpressão: 2015
Páginas: 384
Editor: Suma de Letras






Resumo:  
Quando Tim Ellison encontra um quarto barato para alugar num dos melhores locais de Sydney, parece um golpe de sorte: estará perto do restaurante onde trabalha e ainda mais perto do seu lugar preferido para praticar surf. Mas há uma condição para que possa arrendar o quarto:
Tim terá de fazer todos os recados à misteriosa dona do quarto, uma mulher muito reservada e pouco amistosa, que nunca abandona a casa.

Tim esforça-se cada vez mais por conhecer melhor a figura inquietante de Anna. A princípio muito reservada, ela começa a revelar-se aos poucos: a sua história, a sua tristeza, os seus medos paralisantes.
É então que começam a acontecer coisas estranhas na casa: golpes a meio da noite, figuras inexplicáveis nas sombras, mensagens sinistras nas paredes. Tim assusta-se porque, ao mesmo tempo que o seu desconforto em relação àquela casa vai aumentando, crescem também os seus sentimentos pela bela e misteriosa dona da casa.

Que tipo de pessoa será Anna London: alguém que merece compaixão, alguém para amar ou alguém para temer?
  
Rating: 3,5/5
Comentário: Bem, esta sinopse certamente promete! Quando recebi este livro de surpresa para leitura e opinião da Penguin Random House Portugal, fiquei naturalmente contente com o gesto mas torci o nariz quando li do que se tratava. A verdade é que gosto de thrillers, mas este aparentemente puxava ao sobrenatural, o que não é de todo a minha praia.
De qualquer forma, parti de mente aberta para a estória, uma vez que nunca se sabe se não nos deixamos envolver por personagens ou pelo estilo dos autores. 
Rebecca James tem, afinal, uma escrita muito fluída e envolvente, misturando doçura com um toque de acutilância que nos prende às páginas e faz querer continuar a leitura. A envolvência do leitor nasce página a página, contemplando personagens apresentadas sob mistério enevoado, com suspeitas e peças a saltar de forma cíclica, criando um novelo fixador de atenção e curiosidade.
Seguindo essa linha, é credível que o enredo tenha sido uma surpresa, não só por tender numa direção que não esperava, mas porque, tal como as suas muitas personagens, muitos dos acontecimentos pareciam desajustados de uma forma bastante confortável, mas paradoxalmente fazendo todo o sentido. Os momentos de dor, de angústia e de paranóia, as imersões num mundo inabalado (ou muito abalado, conforme as perspetivas), as invasões de espaços íntimos, memórias e lembranças mas também as redescobertas dos pequenos prazeres que constituem a vida humana são abordados por Rebecca James com perícia, embrenhando-nos num mundo que de facto não conhecemos, mas que estranhamente vai fazendo sentido. 
Não deixo de considerar pequenos momentos do enredo algo forçados e até despropositados, ficando no fim a certeza de que algo não encaixa na totalidade (da mesma forma que as personagens não encaixam na mansão), mas que ainda assim acaba por ser o fim que esperamos. No fundo, a autora consegue incutir a estranheza das suas personagens e do enredo ao leitor, ficando certo de que não existirá uma abordagem certa a este livro. 
E por falar em abordagem, colocar Tom e a sua voz descontraída mas que nunca deixa de indagar e o seu lado bonacheirão e desacompassado (com uma sensibilidade e acutilância) como voz principal, foi uma aposta ganha neste livro. A sua vida relaxada (ainda que com questionamentos) foi a confrontação ideal para Anna e a sua frágil redoma de receios, permitindo que estes desajustes se imiscuíssem numa fachada estanque, mas num desejo único de mudar. 
Penso ter sido interessante também ver o livro contado a duas vozes, especialmente quando uma delas é totalmente opaca para o leitor quando tida numa das perspetivas, embora se pudessem ter evitado algumas repetições de construções de uma para outra. 
O final foi também um pouco apressado, pelo menos na construção final. Era esperado, mas gostava de o ver mais desenvolvido, uma vez que o climax que nos chega não é causa imediata para os resultados elaborados nas últimas páginas. Faltou-me mais da Anna e do Tim nelas, para além das transformações óbvias na vida de ambos. Faltava alguma profundidade, alguma explicação para certas construções que foram sendo colocadas ao longo do livro como chamarizes e também um sentido de conclusão (mesmo que tendo um final aberto) que me pudesse soar mais favorável.
Ainda assim, foi um livro de uma frescura incrível, pelo menos atendendo às minhas leituras este ano, o que acabou por me surpreender pela positiva. 
Uns tempos passados da leitura, já não sei precisar se as 3,5 estrelas são atribuídas ao livro pela qualidade, se pelo prazer de leitura, mas sendo uma ou outra, tenho a dizer que esta Tortura foi sem dúvida, muito Doce (mas não é melosa, não se preocupem!).

Cláudia
Sobre a autora:
 
Maratonista de bibliotecas, a Cláudia lê nos transportes públicos enquanto observa o Mundo pelo canto do olho. Defensora da sustentabilidade e do voluntariado, é tão fácil encontrá-la envolvida num novo projecto como a tagarelar sobre tudo e mais alguma coisa. É uma sonhadora e gosta de boas histórias, procurando-as em cada experiência que vive.

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