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Opinião: Reino de Feras, de Gin Phillips



Reino de Feras
de Gin Phillips

 
Edição/reimpressão: 2018
Páginas: 272
Editor: Suma de Letras Portugal
  


Sinopse: 
Lincoln é um bom menino. Aos quatro anos, é curioso, inteligente e bem-comportado. Lincoln faz o que a mãe diz e sabe quais são as regras.
«As regras hoje são diferentes. As regras são que temos de nos esconder e não deixar que o homem da pistola nos encontre.»
Quando um dia comum no Jardim Zoológico se transforma num pesadelo, Joan fica presa com o seu querido filho. tem de reunir todas as suas forças, encontrar a coragem oculta e proteger Lincoln a todo o custo – mesmo que isso signifique cruzar a linha entre o certo e o errado, entre a humanidade e o instinto animal.
É uma linha que nenhum de nós jamais sonharia cruzar.
Mas, por vezes, as regras são diferentes.
Um passeio de emoção magistral e uma exploração da maternidade em si – desde os ternos momentos de graça até ao poder selvagem. Reino de Feras questiona onde se encontra o limite entre o instinto animal para sobreviver e o dever humano de proteger os outros. Por quem deve uma mãe arriscar a sua vida?

Rating: 3/5
Comentário: Este livro é daqueles que têm como função dividir águas e grupos, com muitas opiniões diversificadas, o que para um primeiro romance para adultos (a autora é maioritariamente conhecida pelos seus livros infantis) é o melhor chamariz possível.
Depois de ter tido a oportunidade de o discutir com leitoras bem mais rápidas do que eu, tive curiosidade de saber o que esta leitura faria por mim, mesmo sabendo de antemão um ou outro pormenor.
Como enuncia a sinopse, Joan encontra-se no Jardim Zoológico com o seu filho Lincoln, quando se depara com o inesperado e se vê obrigada a esconder-se para proteger a sua vida e a do seu filho.
Com a infeliz frequência com que se vão sucedendo casos de tiroteios e sequestro pelos Estados Unidos, Gin Phillips poderia dar-nos uma visão resultante de uma fórmula que continua a ser frequente mas ainda assim aterradora. No entanto, vai mais longe e enuncia-nos uma caçada inexplicável e incoerente, que me relembrou o massacre de Anders Behring Breivik na Noruega em 2001. As razões do mesmo não são muito exploradas para além de umas breves nuances em jeito de explicação, mas cumprem o propósito de denotar que existe uma multiplicidade na perversidade alheia, que não se termina nos casos mais conhecidos; até porque também o fanatismo tem várias tonalidades de cinzento.
O cenário seleccionado é precisamente alvo dessa intenção premeditada e através de alguns momentos onde a abordagem se direcciona para um dos atiradores, conseguimos ter acesso a essa alegoria.
De qualquer forma, precisamente por se tratar de um jardim zoológico, senti que faltavam duas coisas: a primeira passa pela criação de um desenho esquemático em género de planta do Zoo, porque nem sempre foi fácil construir uma imagem mental para as deslocações dos personagens. Do ponto de vista do próprio espaço, a narrativa é pautada por muitos silêncios. Embora seja explicado em parte o motivo dessa ausência de ruído, estando num lugar repleto de animais, seria de esperar que uma situação avessa causasse não só um enorme impacto nos bichos, como estes se tornassem também imprevisíveis e mais um elemento de perigo.
A abordagem narrativa leva-nos em várias direcções, ao termos como companhia não só Joan e o seu filho, como um dos assassinos e algumas personagens secundárias. Estes permitiram que fosse tendo acesso a outros elementos da acção, de forma a compor um cenário mais exigente do que as narrativas individuais transmitiam ao longo da leitura.
Por falar em ritmo narrativo, admito que para os habitué no mundo do thriller este romance possa não parecer muito dinâmico, já que são somente dois ou três elementos a pontuar os momentos de maior acção, que nunca chega a ser verdadeiramente vertiginosa. Ainda assim, a acção faz sentido, o contexto está explicado e existe capacidade de encaixe e curiosidade para perceber o desvendar do conflito.
Relativamente às personagens, nem Joan nem o filho são companhias fáceis de suportar, ele porque sendo criança tem necessidades constantes, ela porque nem sempre é a mais inteligente nas decisões que toma. Ainda assim, é o facto de passarmos o tempo maioritariamente com eles que evidencia o real ponto forte da narrativa: o poder do amor maternal e todas as vertiginosas correntes que ele acarreta. Talvez esse amor não se evidencie tanto pelas acções mas pelas considerações que a personagem vai fazendo sobre o seu papel enquanto mãe e o crescimento do filho, quase que numa lembrança constante de que aquele menino terá de sair vivo daquela situação porque tem muito por viver e desenvolver.                           
É aqui que surge a controvérsia, por duas ou três decisões tomadas pela personagem. Posso dizer-vos que todas pessoas que são mães com quem falei deste momento, torceram o nariz à credibilidade do enredo e questionaram se a autora seria mãe na vida real. Não tendo acesso a essa informação, e não sabendo portanto se é isso que nos divide, uma vez que não tenho filhos também, a verdade é que uma das acções de Joan, por muito que chocante ao início (e algo que eu julgo nunca ser capaz de fazer), acabou por fazer sentido: a verdade é que o acompanhamento do raciocínio dela tornou-a plausível, especialmente porque também a personagem não está em paz com o seu comportamento, e isso em parte"desculpa-a".
Quanto à representação do mal, a análise das motivações primordiais deste grupo é algo fugidia para permitir grandes considerações, mas o tipo de discurso do elemento com o qual temos contacto, levou-me a crer que talvez se tratasse de alguém com algum défice de aprendizagem, o que traria uma abordagem bastante interessante sobre o perigo de reunir vários elementos explosivos no mesmo cocktail (especialmente pela capacidade de manipulação e promoção da maldade por parte do mundo exterior) .
O desfecho não foi surpreendente, mas cumpriu o seu propósito na totalidade. Algumas pontas são deixadas soltas ou por resolver, o que no contexto de um livro não traz grande nível de satisfação para o leitor. Da minha parte, tendo estado maioritariamente no papel de Joan, porque esta é a companhia mais regular da narrativa, optei por considerar que o facto desta decorrer ao momento, fez com que a personagem tivesse exactamente as mesmas dúvidas, as quais só veria esclarecidas posteriormente ao último momento do livro.
No geral, não é de todo um romance de ritmo acelerado. Muitas das situações relatadas foram provocadas de forma algo incisiva somente para que se pudessem desencadear os elementos perfeitos de uma perseguição de risco, levando o leitor sempre a crer que na ausência de uma decisão pouco inteligente, talvez nenhuma das personagens como potenciais vítimas fosse ameaçada.
Ainda assim, o facto que os pormenores estarem lá (mesmo que mais ou menos explorados), da escrita ser fluente e estar estruturada de forma interessante, leva-me a crer que Gin Phillips poderá trabalhar melhor os seus pontos fracos e trazer-nos um thriller em cheio muito em breve. Li-o em dois dias e quis muito conhecer o desfecho desta história. Podendo não ser o que os fãs do género procuram, é uma boa porta de entrada para leigos e curiosos do thriller.

 
Cláudia
Sobre a autora:
 
Maratonista de bibliotecas, a Cláudia lê nos transportes públicos enquanto observa o Mundo pelo canto do olho. Defensora da sustentabilidade e do voluntariado, é tão fácil encontrá-la envolvida num novo projeto como a tagarelar sobre tudo e mais alguma coisa. É uma sonhadora e gosta de boas histórias, procurando-as em cada experiência que vive.

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