Flecha
de Matilde Campilho
Edição/reimpressão: 2020
Páginas: 268
Sinopse: O PRIMEIRO LIVRO EM PROSA DE MATILDE CAMPILHO.
O lenhador carrega um animal ao ombro, o astronauta leva o fato
pendurado no braço esquerdo, a bailarina deixa cair a cabeça sobre o
espaldar, um deus afaga a omoplata e ali encontra o resto de um dente de
leão. De cada gesto, seja em que época for, surge uma história. As
histórias são uma das mais persistentes formas de expressão do mundo.
Podem ser orais ou podem vir em forma de canção. Podem estar presentes
num desenho, numa prece, às vezes podem ser só contadas através de um
aceno. As narrativas, mais imaginárias ou menos, nunca param de
existir. Enquanto caminham juntos, ou sentados à mesa, os homens e as
mulheres sempre foram dados a partilhar experiências através das
histórias. Neste livro estão algumas. São de vários tempos e de muitos
lugares. Falam de pessoas, de bichos, de objetos e de movimentos que
acontecem em volta deles. Aparentemente não estão ligadas entre si. Mas,
de alguma maneira, estão: há uma flecha a atravessar todas as
histórias, desde o princípio.
«Iluminado apenas por uma lâmpada azul daquelas que atraem moscas e
depois as queimam vivas, um homem amassa o pão de madrugada. Um
rapazinho bêbado toca‑lhe à porta pedindo por favor dois bolos quentes. O
homem, limpando o suor da própria testa e enfarinhando sem querer o
pescoço nu, faz silêncio e não abre.»
Rating: 4/5
Comentário: Matilde Campilho ficou conhecida no meio literário em 2014, com o lançamento do livro de poesia "Jóquei". Retorna agora, mais madura e concretizada, com "Flecha", um livro que promete contar histórias e estórias de pessoas e do tempo.
Apesar de estar escrito e ser publicitado como um livro de prosa, desengane-se quem espera ler outra coisa do que poesia pura, mesmo que não escrita em verso. É um livro que nos aponta para janelas de tempo, retractos de momentos do quotidiano ou aventura das suas personagens, umas reais, outras mitológicas, algumas anónimas, mas todas, se o quisermos, ficcionais e mágicas. Porque este é um olhar muito pessoal e acutilante sobre cada vida apresentada.
Matilde arrasta-nos para enredos de curta duração, por vezes de uma frase, que nos plantam no lado criativo do cérebro a necessidade de recriar uma história até àquele momento, e depois disso. É por isso, tal e qual a poesia, completamente sujeito a interpretação, tanto do que somos como do nosso conhecimento do Mundo e da cultura geral.
Há várias personalidades históricas que não são evidenciadas de chofre, pelo que só um olhar mais atento terá capacidade de escrutinar de quem se trata e qual é, efectivamente, a história que se encontra a ser narrada. O lirismo não abandona a autora, como seria expectável, e esta colectânea de enredos só resulta porque a autora nos permite ter acesso a uma breve visão de como seria a história contada por si, não impondo essa óptica e permitindo às estórias viverem para além de si.
O facto da maior parte das narrativas se fundamentar em momentos mundanos cria uma aura mágica em volta de cada personagem, a algumas garantindo-lhes corpo, e a outras identificando uma vivência para além da grandeza.
"Flecha" é um livro para ir saboreando com delicadeza, atenção, e um processo de degustação imenso, em que cada página e cada personagem é maturada com as releituras que lhe forem feitas.
Um livro com um profundidade para além daquela que inicialmente lhe é incutida, e que é uma enorme prova de amor pela palavra escrita, mas também pelas emoções vividas.
–
Cláudia
Sobre a autora:
Maratonista
de bibliotecas, a Cláudia lê nos transportes públicos enquanto observa o
Mundo pelo canto do olho. Defensora da sustentabilidade e do
voluntariado, é tão fácil encontrá-la envolvida num novo projeto como a tagarelar sobre tudo e mais alguma coisa. É uma sonhadora e gosta de boas histórias, procurando-as em cada experiência que vive.
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