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Opinião: O Anjo de Munique, de Fabiano Massimi

 

O Anjo de Munique
de Fabiano Massimi

Edição/reimpressão: 2020
Páginas: 432
Editor: Suma de Letras Portugal






Sinopse: Munique, Setembro de 1931. Faltam poucas semanas para que umas eleições históricas outorguem o poder aos nazis. O comissário Sigfried Saue é chamado com urgência a um elegante apartamento, onde Angela Raubal, 22 anos, conhecida como Geli, é encontrada no seu quarto sem vida. Ao lado do corpo um revólver, tudo sugere que se trata de um suicídio.

Geli, no entanto, não é uma mulher comum e o apartamento onde vivia e morreu, bem como o revólver que disparou o tiro fatal, não pertencem a um homem qualquer, são do seu «tio Alf», que o resto da Alemanha como Adolf Hitler, o político mais notório do momento. Em parte também por causa dessa estranha relação com a sua sobrinha, fonte de indignação e escândalo entre as fileiras dos seus inimigos e entre os seus colaboradores mais próximos. Sempre juntos, sempre felizes e sorridentes numa intimidade adolescente.

O inspector Sauer se encontra dividido na sua investigação entre aqueles que o mandam encerrar a investigação passadas escassas horas e aqueles que o instruíram a ir ao fundo do caso e descobrir a verdade, qualquer que seja.

Rating: 4/5
Comentário: Quando nos deparamos com uma figura histórica da qual não conhecemos nada, porque até então nos era desconhecida, não há alternativa senão procurar informação sobre ela. Foi o que fiz assim que soube que "O Anjo de Munique" era inspirado na morte misteriosa de Geli Raubal, a minha da meia-irmã de Hitler. 
Suicídio ou homicídio? Vítima ou manipuladora? Dominada ou rebelde? Estas são algumas das questões para as quais ainda hoje não há respostas, e que muito dificilmente surgirão. Assim como as nuances que cobriam o tipo de relacionamento estabelecido entre Hitler e esta sobrinha, que alguns declaram como objecto de uma paixão obssessiva e única, que nem Eva Braun possivelmente suplantou.
A partir destas premissas, Fabiano Massimi cria um livro de mestria ao nível dos policiais de maior categoria. Contrariamente ao descritivo, não encaro esta narrativa como um thriller, porque acho que se enquadra melhor na primeira narrativa. São evidentes todos os aspectos dedutivos e encadeamentos lógicos que formam o puzzle da trama, assim como os conectores da acção entre as pistas deixadas por personagens em determinados locais. Não é um livro simples, no entanto, já que os leitores e leitoras -  à semelhança do narrador - questionam-se por diversas vezes se não estarão a ser arrastados propositadamente numa determinada direcção, tal qual marionetas. O que os leva a questionar e a determinar sob um olhar mais acutilante as várias pistas deixadas. 
A mais importante de todas, mais até do que escrutinar se Geli se suicidou ou foi morta (e por quem), é precisamente descobrir quem realmente foi esta rapariga, já que as visões que existem sobre si variam consoante os interlocutores. Mulheres, homens, professores e conhecidos, amigos (ou supostos amigos), todos descrevem Geli à luz da sua óptica, acabando por traduzir algo inerente à condição humana: somos muitos e simultaneamente únicos, condensados numa única pessoa. Claro que algumas descrições são preconceituosas, resultantes de inveja e/ou receio, ou condescendência de alguns. Ou não estivesse a ser retractada uma jovem que nunca tem realmente voz e acabamos por não conhecer de todo. 
Tratando-se de um caso de homicídio, até poderiam interessar somente os factos, não fosse este um relato atípico que seduz pelas personagens e pelo tempo histórico em que ocorre. Acompanhamos um período histórico que contempla um Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães em ascensão, um confronto entre as autoridades vigentes e as que se acham acima da lei, assim como as várias nuances e posicionamentos da sociedade alemã da época perante a prospectiva do que seguiria nos próximos anos. São estes os elementos que não tornam "O Anjo de Munique" num mero romance de crime, pelo que as personagens vivem em pleno no tempo histórico e são as personalidades retractadas com esmero e detalhe. 
No que toca ao narrador, e tratando-se de um policial, não poderia deixar de ter como personagem principal um comissário da polícia, que embora resvalando no clichê do passado problemático, fá-lo de uma forma original e que se justifica pelo contexto. Esse mesmo passado não domina a personalidade da personagem, também porque não lhe é dado relevo em demasia, focando-se a narrativa completamente no desvendar do mistério. Os detalhes partilhados sobre a sua vida são colocados para justificar/ facilitar a narrativa, e não para criar um enredo secundário. 
Por fim, e quanto aos factos históricos, fui detectando vários sobre os quais aprendi durante a minha pesquisa ao longo da narrativa, mas que foram colocados de forma exemplar no enredo que parecem ficção e originalidade do autor (ajuda ao facto serem um bocadinho surreais). Julgo que Fabiano Massmi fez um trabalho exemplar, misturando biografia e memória, romance histórico e crime numa documentação fiel e intensa, que prende o leitor da primeira à última página. É um verdadeiro entertainment.




Cláudia
Sobre a autora:
 
Maratonista de bibliotecas, a Cláudia lê nos transportes públicos enquanto observa o Mundo pelo canto do olho. Defensora da sustentabilidade e do voluntariado, é tão fácil encontrá-la envolvida num novo projeto como a tagarelar sobre tudo e mais alguma coisa. É uma sonhadora e gosta de boas histórias, procurando-as em cada experiência que vive.

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