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Opinião: Os Otimistas, de Rebecca Makkai


Os Otimistas
de Rebecca  Makkai

Edição/reimpressão: 2019
Páginas: 576
Editor: Edições ASA





Sinopse:
Numa tarde de novembro  de 1985, um grupo de amigos reúne-se em Chicago. Bebem cubas-libres ao som de Fly Me to the Moon num ambiente de celebração forçada. Pois Nico morreu. Nico era brilhante e belo. Flores e lágrimas não lhe farão justiça. 
A missa fúnebre decorre numa igreja a trinta quilómetros de distância. Apenas a família – que o abandonara anos antes – está presente. É uma cerimónia breve marcada pelo constrangimento.
Jovem e gay, Nico é uma das primeiras vítimas que o vírus da SIDA faz no seu círculo de amigos. Um dos mais próximos, Yale Tishman, acompanhou-o até ao fim e vive agora entre o medo da doença e a urgência de construir um futuro. Mas enquanto a sua carreira floresce, a sua vida pessoal vai ficando cada vez mais limitada. Um a um, Tishman vê os amigos perderem a vida. Até restar apenas Fiona, irmã mais nova de Nico. 
Trinta anos mais tarde, reencontramos Fiona, agora em Paris. 
Alojada em casa de um velho amigo, Richard Campo, um fotógrafo que documentou de perto a epidemia de Chicago, Fiona relembra a sua juventude. A sua capacidade de amar – a filha que entretanto teve, o marido que abandonou, os amigos que sobreviveram – foi modelada por esses anos. Todos se afastaram, deixando-a só para enfrentar as consequências de três décadas ensombradas pela perda.
 
Rating: 4,5/5
Comentário: Otimistas. Uma palavra que não nos sai da mente nos últimos meses. Um livro do qual gostei instantaneamente, mas cuja leitura se arrastou (não devido a si mesmo, mas à existência de reservas da biblioteca - ou melhor, das bibliotecas - que foram ficando disponíveis e obrigaram a interromper as restantes leituras).

Rebecca Makkai traz-nos uma geração, outra geração, assustada com um inimigo invisível, recôndito, e associado maioritariamente a um segmento da sociedade. Não que não tenha tido incidência noutros grupos sectoriais, mas de facto a comunidade gay determinou a sua disseminação mais evidente, e jovens (demasiado jovens) foram completamente devastados ao ponto de desaparecerem grupos inteiros, assim como toda a sua memória familiar (ou não estivessem muitos desenraizados da família, dos que os conheciam desde miúdos, devido ao preconceito).

A história deste grupo inicia-se com Nico, ou diria antes, termina com Nico, já que é o seu desaparecimento o mote que desvendará todos os acasos que destruirão este grupo de amigos. Surge o medo, a desesperança, mas a vontade incrível de combater: o HIV, o preconceito, polícias conservadores e famílias desonestas, que só descobrem depois da morte conciliação com os filhos (e filhas) perdidos que só pretendiam amor e aceitação.

É um livro extenso, mas comovente, que embarca nas memórias do que foi e do que podia ter sido, e do quanto as consequências de um momento se repercutem e ecoam por anos, senão por toda a existência de uma pessoa.

Fiona é a representação mais nítida deste sine qua non, procurando sempre a identidade dos laços que a uniam ao irmão em todas as relações da sua vida, inclusive com a filha, e povoando-as de fantasmas intangíveis e difíceis de superar. A sua estória é o pilar de todo o enredo, perfazendo uma constante chamada entre o passado e o futuro, o que poderia ter sido diferente e o que nunca devia ter ocorrido.

Yale representa, por seu lado, a experiência na primeira pessoa: desde o medo da certeza incógnita à dor de ver os seus partir, sem chance de combate e de cura. Mas é também um optimista, que não lança a toalha ao chão e se reinventa com os ases que a vida lhe vai dando.

É também através de Yale que vamos tendo acesso aos subterfúgios e opressão em que vivia a comunidade gay nesta época, que se evidenciava através de activismo, jornalismo reactivo e necessário, alienação libidinosa, assim como por uma grande disseminação da doença em lares com casais heterossexuais, devido à constante (e protectora) inibição da orientação sexual de vários homens.  

Apesar de decorrido em Chicago, esta é uma história de muitas cidades na América, que marcou a década de 70 e 80 desde país. Embora a cidade não esteja demarcada e tenha uma vivência própria, como esperaria, há vários momentos e acontecimentos basilares que a posicionam na História. Há manifestações e locais que a autora faz questão de referir como reais, canalizando desta forma uma evidência e maior empatia com os anónimos do tempo, aqui de alguma forma representados.


Mediante este cenário, o título pode soar suis generis, mas é facilmente explicado pela tirada de uma personagem, que decreta de forma bastante perspicaz e certeira que optimistas não são os que levam uma vida leve e despreocupada (que em muitas situações são somente inocentes e ingénuos perante a negridão a que a vida pode chegar), mas sim os que perante as adversidades conseguem contorná-las, derrotá-las, e assistir e conviver com a dita luz no fundo do túnel. Um livro delicioso, que nos lembra  necessidade de presenciar o presente e o destino com desfaçatez e coragem.




Cláudia
Sobre a autora:
 
Maratonista de bibliotecas, a Cláudia lê nos transportes públicos enquanto observa o Mundo pelo canto do olho. Defensora da sustentabilidade e do voluntariado, é tão fácil encontrá-la envolvida num novo projeto como a tagarelar sobre tudo e mais alguma coisa. É uma sonhadora e gosta de boas histórias, procurando-as em cada experiência que vive.

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