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Opinião: O Que Dizer das Flores, de Maria Isaac

 
"O olhar inocente das crianças e de adultos-criança sobressai ao longo desta narrativa, onde os polos por vezes se invertem, e o que passa despercebido ao olhar conhecedor dos adultos advoga à superfície através de uma confirmação de um olhar límpido infantil."




O Que Dizer das Flores

de Maria Isaac

Edição/reimpressão: 2021
Páginas: 224
Editora: Cultura Editora
 
Sinopse: Bem-vindo a Mont-o-Ver! Português que se ponha a caminho da montanha, no inverno, ou da praia, no verão, é certo passar por esta planície de canaviais; mais certo ainda, nem dar por ela. A velha linha férrea passa-lhe ao lado e os comboios já nem sequer abrandam por aqui. Em tanto espaço igual, esta é paisagem fácil de se perder. Pois permitam que vos apresente os ilustres da vila. O padre Elias Froes, o homem santo que tem por hábito gastar tempo a pensar no mundo, raramente em si próprio. Guarda segredos que mais ninguém sabe. Catalina Barbosa, aventureira e contestatária. Menina bem-comportada apenas aos domingos, quando a avó a amordaça dentro de um vestido bonito para ir à missa. Rosa Duque, a mulher que, em tempos, teve tudo para ser feliz. Foi vencida por um coração partido e resgatada por uma flor. Zé Mau, o terror na vida das crianças. Os irmãos Mondego, os vilões nas histórias dos adultos. Este vilarejo pode até ser pequeno e parado, mas está cheio de gente atrapalhada com muita vida para esconder. Descubram comigo o que aconteceu, afinal, na noite do grande incêndio de há uma década e quem são os verdadeiros heróis desta nossa história pitoresca, temperada com os habituais mal-entendidos.
 
Rating: 3,5/5
Comentário: Mont-o-Ver é terra tipicamente portuguesa, com os devidos encantos e desafios. Terra pequena, presa ao passado por uma autoestrada que desviou o caminho e o progresso, ou a ideia de progresso inerente aos lugarejos que perdem população, oportunidades de trabalho e capacidade de regeneração local.
Como qualquer terra de menor dimensão, a comunidade tanto se conhece como se controla mutuamente, numa vigília sem fim e submetida a segredos e escaramuças, a amarguras e desalentos. Se é na unidade que encontram a sua força, é também através dela que se promovem as maiores injustiças, criando teatros de aparências e a exclusão de membros da comunidade que, ao abrigo de preconceitos e mal entendidos, vêem a sua imagem comprometida para sempre. 
O olhar inocente das crianças e de adultos-criança sobressai ao longo desta narrativa, onde os polos por vezes se invertem, e o que passa despercebido ao olhar conhecedor dos adultos advoga à superfície através de uma confirmação de um olhar límpido infantil. 
Os enredos misturam-se, as teias entre passado e presente começam a implicar-se à medida que as páginas avançam, e as relações entre pares se relevam mais complexas do que inicialmente pareciam. Embora estes fantasmas sejam trazidos para cima da mesa com uma pureza e uma descrição narrativa muito envolventes, perde-se um fio condutor na segunda metade do livro, com um desfecho apressado e arrematado para a conclusão, sem permitir o saboreio do contexto apresentado. 
As personagens com maior destaque acabam por perder relevância à boca da urna, e o contexto em que desenvolvem os restantes universos nucleares enreda nesta perca de força gravitacional. A vila, com tanto destaque, perde-se com as suas personagens embacia junto da auto-estrada, sem grande perspetiva de futuro. 
Ainda assim, gostei bastante da composição do lugarejo, assim como da forma como é contextualizado e descrito o lugar e todos os que nele interagem. A autora tem um estilo narrativo bonito, claro, aquoso e maleável às suas personagens. A própria narrativa sabe ter pontos de originalidade, especialmente quando potenciado o olhar do narrador, completamente inesperado, e que muitas vezes coloca o leitor em cheque. A sua revelação é uma pequena surpresa, já mesmo no fim, e consegue pelo menos rematar a história com algum alento. Sinto que lhe faltou fôlego na transição para a conclusão, mas não deixei de apreciar a sua construção até ao desfecho. Que Mont-o-Ver se deixe deslumbrar, com recurso a flores ou ao progresso.

Banda sonora enquanto escrevo: Qué Vendrá de "Zaz"
 
  –
Cláudia
Sobre a autora:
 
Maratonista de bibliotecas, a Cláudia lê nos transportes públicos enquanto observa o Mundo pelo canto do olho. Defensora da sustentabilidade e do voluntariado, é tão fácil encontrá-la envolvida num novo projeto como a tagarelar sobre tudo e mais alguma coisa. É uma sonhadora e gosta de boas histórias, procurando-as em cada experiência que vive.

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