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Opinião: O que Contamos ao Vento, de Laura Imai Messina

 

O que Contamos ao Vento
de Laura Imai Messina


Edição/reimpressão: 2021
Tradutor/a: Inês Guerreiro
Páginas: 224
Editora: Suma de Letras Portugal




Sinopse:

No lado íngreme de Kujira-yama, a Montanha da Baleia, existe um imenso jardim chamado Bell Gardia. No meio há uma cabine, dentro da qual repousa um telefone que não funciona, carregado de vozes sopradas ao vento. De todo o Japão, milhares de pessoas que perderam alguém passam por ali todos os anos e usam o telefone para falar com aqueles que já partiram.

Yui é uma jovem de trinta anos, e 11 de Março de 2011 é a data que a mudou para sempre. Naquele dia, o tsunami varreu o país onde mora, engoliu a sua mãe e a sua filha, tirou-lhe a alegria de estar no mundo.

Ao saber, por acaso, daquele lugar surreal, Yui vai até Bell Gardia e conhece Takeshi, um médico que mora em Tóquio e tem uma filha de quatro anos, que emudeceu no dia em que a mãe morreu.

Quando Yui percebe que aquele lugar precioso corre o risco de ser arrasado por um furacão, decide enfrentar o vento, tanto aquele que sacode a Terra como o que levanta a voz de quem já não está presente.

Um livro sobre a perda e tudo o que fica por dizer.
 
Rating: 3/5
Comentário: Antes de iniciar esta opinião, deixo só o aviso de que já a tinha feito e publicado, mas por algum erro de comunicação do blogger com a cloud, tudo o que escrevi foi eliminado. Será a minha segunda tentativa de escrever sobre este livro, pelo que desculpem desde já algum poder de síntese e menor dinamismo (que eu nisto não sou nenhuma Dulce Cardoso). 
 
Esta foi das primeiras leituras do ano, embora a opinião só saia agora da gaveta.  Antes de começara falar sobre o enredo, julgo que devemos abordar o elemento de inspiração que Laura Messina trouxe para este romance. 

O Telefone do Vento existe na vida real. Situado em Otsuchi, foi criado por um jardineiro que pretendia criar um local de conexão com os seus entes queridos que já tinham partido. Segundo o criador, a inspiração veio da leitura de um livro, onde através de uma instalação semelhante, animais comunicavam com os seus antepassados. A sua ascenção a lugar de romaria nacional veio de um processo de comunicação contínuo por parte do autor do projeto, mas sempre com o cuidado de não transfigurar ou tornar esta experiência como um culto de massas ou local turístico.  A história do local deu lugar a uma adaptação cinematográfica, sendo agora o Telefone do Vendo ampliado internacionalmente pelas mãos de Laura Messina. (foto por Record7). A escolha do local da instalação nao terá sido certamente ao acaso, já que o envolvimento idilico da paisagem permite a sensação de recobro e proteção esperado de um projeto desta natureza. Sabe-se também que algumas pessoas de várias partes do mundo têm contacto o autor a pedir autorização para reproduzir a instalação nos seus países, ainda para mais com o peso incrementado pelas perdas de vidas durante a pandemia do SARS-COV2, que para muitos familiares e amigos nem permitem uma despedida presencial dos seus entes queridos.

Sendo um livro sobre perda, poderia ter um cunho narrativo algo pesado. Contrariamente, senti uma enorme delicadeza e respeito, não fosse a cultura japonesa estar já inculcada na autora, residente no país há muitos anos. Esta nuance não nos passa despercebida, como faria todo o sentido. Existe uma premência no respeito pela comunidade, esteja ela ainda presente ou tenha partido, e sobre a forma de honrar uns sem esquecer que a vida continua e tem de ser vivida, também com a sombra da dor, mas de forma a que esta não ofusque a nossa total existência. 
Yui é a personagem principal, que apesar da sua história pessoal e traumática (não fosse arrastada por um sindroma de stress-pós traumático causado pela tragédia de Fukushima) é também a cola de todas as narrativas, que permite ao colectivo subsistir para além do seu próprío núcleo. O seu percurso é representativo da evolução dos processos de perda, sempre presentes, mas com várias nuances e abordagens. É também a exemplificação de que almas perdidas se encontram com maior facilidade e, por vezes, são o bálsamo que necessitam umas para as outras. A empatia e a possibilidade de encontro na tragédia tendem a fazer nascer a solidariedade e a capacidade de acolher o outro quando o mesmo não está preparado para enfrentar o mundo real. 
Um dos aspectos cruciais neste livro é precisamente a análise do que é a perda e do que contempla o luto por alguém. E de que esse luto por vezes se faz por alguém que ainda vive, sendo tão ou mais doloroso do que a invocação dos que já cá não estão. 
Da minha experiência de partilha sobre o livro, é interessante perceber que o nível de emoção e empatia com o enredo está directamente ligado a níveis de perda mais vincados. Das conversas que fui tendo sobre o mesmo, realçou-se uma certa melancolia colmatada por vontade de se poderem dirigir a um local semelhante. A cabine do vento é somente uma reprodução palpável de uma ferramenta para colmatar distâncias e o peso opressor da ausência, que paradoxalmente, se faz mais presente e gigante do seria esperado. A possibilidade de dirigir as palavras e lembranças que uma pessoa de luto carrega em si para o universo - uma metafísica dirigida aos que já cá não estão - é um bálsamo para a alma, a dor e a saudade. E este "remédio" não tem impacto somente nos crentes e adeptos de alguma espiritualidade, mas também para todos aqueles que carregados de cepticismo e crença num fim absoluto, não têm por onde libertar a pressão da finitude. 
Outro elemento bonito e digno de nota é o constante equilibrio entre os elementos terrenos e os espirituais, o abstractismo e o real, e a contínua reprodução de elementos que interligam as duas dimensões. Falo das contínuas listas (de músicas, comidas, brincadeiras, objectos, etc) que vão surgindo ao longo da narrativa, sempre associadas a uma memória, e que tanto trazem o passado para o presente, como nos lembra de aqueles são os únicos elementos que ficaram para trás. 
O próprio processo de luto é abordado pelas constantes mutações e nuances que representa para pessoas diferentes, e como tal, a sua reprodução tem impactos diferentes em casa pessoa. Umas carregam traumas mais densos, procurando desvendar  o porquê de determinado desfecho, outros só procuram a continuidade do quotidano e a partilha de sucessos e derrotas, de risos e frustrações, nem que tenha de ser pelo bucal de um telefone. 
É uma história sobre redenção, sobre perdão, sobre aceitação de que a dor não desaparecerá, mas poderá tornar-se suportável com o tempo e ser abraçada, em prol de coisas boas. Que o futuro não acabou e que aqueles de quem gostamos podem sempre fazer parte dele, seja por que os carregamos em nós, seja porque existe uma Cabine de Vento, onde o que sentimos e pensamos pode ser partilhado.


Banda sonora enquanto escrevo: Lost Without You, de "Freya Ridings"
 
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Cláudia
Sobre a autora:
 
Maratonista de bibliotecas, a Cláudia lê nos transportes públicos enquanto observa o Mundo pelo canto do olho. Defensora da sustentabilidade e do voluntariado, é tão fácil encontrá-la envolvida num novo projeto como a tagarelar sobre tudo e mais alguma coisa. É uma sonhadora e gosta de boas histórias, procurando-as em cada experiência que vive.

Comentários

  1. Fiquei muito curiosa! Gostei muit da forma como escreveste a review! Beijinhos :)

    jiaescreve.blogspot.com

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